JULIÃO, L. O desafio da comunicação nos museus universitários. Museologia & Interdisciplinaridade, v. 9, n. Especial, p. 13–23, 9 dez. 2020.
O desafio da comunicação nos museus universitários
Letícia Julião (2020)
"New ways of conceiving communication challenge university museums to break with the hierarchical model, which presupposes a lack of information from the visitor, in favor of multi-referenced communication, in which new actors and narratives emerge in the museum scene. The article analyzes the nature of collection within universities, the musealisation and the communication modalities of this heritage, and the alternatives that emphasize the democratization of museums' relations with the public: the exhibitions of controversies and the dynamics of knowledge production, include collaborative and negotiation processes, and the use of information technologies as a tool to expand audiences and the formation of networks of researchers and collections."
Tipo: & - journalArticle
Autor: Letícia Julião
Publicado em: 2020-12-09
Periódico:: Museologia & Interdisciplinaridade
Editora::
Acesso em: 20/May/2023
Tags Zotero: comunicação democrática, comunicação museológica, exposição e conhecimento., museus universitários
Idioma:: pt
DOI:: 10.26512/museologia.v9iEspecial.32082
URL:: https://periodicos.unb.br/index.php/museologia/article/view/32082
2023-05-20 (ao Zotero), no obsidian desde 2023-05-23
Notas
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"No cenário museológico brasileiro, os museus universitários ocupam um lugar que, com raras exceções, ainda está por ser devidamente reconhecido tanto do ponto de vista acadêmico quanto das políticas públicas para a área. De aproximadamente 3.700 instituições constantes no Cadastro Nacional de Museus, algo em torno de 400 caracterizam-se como museus universitários. Mais de 10% dessas instituições, portanto, são geridas por universidades que tutelam, certamente, um dos mais importantes e expressivos patrimônios museológicos do país." (JULIÃO, 2020, p. 1.)
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"papel desempenhado pelas universidades como polos de colecionamento." (JULIÃO, 2020, p. 1.)
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"Museus universitários. Comunicação museológica. Comunicação democrática. Exposição e conhecimento." (JULIÃO, 2020, p. 1.)
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"Muitos acervos universitários se formam, por conseguinte, a partir de operações próprias da metodologia de produção do conhecimento. Espécie de artifício de aproximação, as coleções reúnem e conferem universalidade ao que está disperso, ao que é singular no mundo, funcionando como dispositivos que reduzem ou amplificam realidades, permitindo, dessa maneira, procedimentos próprios da pesquisa como a observação, a comparação, a mensuração, classificação e interpretação." (JULIÃO, 2020, p. 2.)
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"Algumas coleções são constituídas com propósito exclusivo de ensino, e se prestam para ilustrar conteúdos; outras transitam dos laboratórios de pesquisa para as salas de aulas. Como apoio didático, são portadoras de informações que nutrem o conhecimento científico e emprestam materialidade a ideias abstratas ou a processos experimentais no exercício da docência" (JULIÃO, 2020, p. 2.)
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"Nessa tipologia importa destacar os instrumentos científicos, máquinas, utensílios2 que dão suporte e viabilizam processos de produção e disseminação do conhecimento, prestando-se à observação e ao reconhecimento sensível de realidades; à demonstração ou à simulação de fenômenos, teorias ou leis. São objetos que ao perderem a vida útil em razão de novas tecnologias ou por estarem associados a práticas científicas em desuso ingressam em uma zona imprecisa entre o descarte e a salvaguarda." (JULIÃO, 2020, p. 2.)
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"Diferentemente das coleções constituídas em processos investigativos ou pedagógicos, requerem, portanto, um exercício permanente de reconhecimento de seu valor como patrimônio científico. (Segantini; Julião, 2017)." (JULIÃO, 2020, p. 2.)
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"lém de identificar as coleções pelas práticas que originalmente ensejam sua incorporação à universidade - ensino, pesquisa, políticas simbólicas, operacionalização das atividades acadêmicas – é preciso reconhecer, sobretudo, a pluralidade notável desses acervos. Eles documentam a cultura científica, intelectual e acadêmica, e podem ter natureza tão diversa quanto é a amplitude do saber e fazer humano. Comportam, por conseguinte, valores e significados que ultrapassam o interesse de comunidades universitárias específicas. São acervos que figuram como referências culturais da sociedade, constituem-se em recursos para o desenvolvimento humano e integram o que se pode identificar como patrimônio científico mundial." (JULIÃO, 2020, p. 2.)
- Dar a conhecer esse patrimonio pela restauração
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"Efetivamente, a musealização implica em uma cadeia de ações concernentes à preservação, pesquisa e comunicação, em estabelecimento de um cenário museal, que se distingue de outras atividades do colecionismo." (JULIÃO, 2020, p. 3.)
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"Vale notar que a patrimonialização envolve também algum grau de comunicação. Proteger o que se considera digno de ficar para a posteridade significa assegurar a sua transmissão às gerações futuras." (JULIÃO, 2020, p. 3.)
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"A própria palavra patrimônio, do latim patrimonium, remete para a esfera do jurídico, associando-se à ideia de propriedade, tanto no sentido de possessão, quanto de transmissão. É possível dizer que tanto o objeto musealizado quanto o patrimonializado são salvaguardados para assegurar sua transmissão, mas o primeiro encontra-se distintivamente em contexto pontecializado de comunicação, implicando em processos complexos que ultrapassam o transporte de uma informação de um lugar a outro, de um tempo a outro. A própria transmissibilidade, que introduz os objetos em novos contextos, é condição que lhes confere novos valores, ou seja: “Quando uma coisa é transmitida ela é invariavelmente alterada, em certa medida, e jamais voltará a ser o que era antes” (Brulon, 2016: 47)." (JULIÃO, 2020, p. 3.)
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"Alguns caminhos da comunicação em exposições" (JULIÃO, 2020, p. 4.)
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"Desde as últimas décadas do século XX, os museus experimentam mudanças substantivas, tensionados pelas demandas de ampliação da sua audiência e de ressignificação de sua função social" (JULIÃO, 2020, p. 4.)
- Papel do museu
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"O público e o compartilhamento de patrimônio universitário têm sido colocados no centro de suas atenções, impelindo-os a renovar linguagens e conteúdos, e a experimentar relações mais horizontalizadas com o publico, nos seus processos comunicacionais." (JULIÃO, 2020, p. 4.)
- A Conrest não pode se distanciar das tendencias do campo do patrimonio
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"A imagem do panótico é sugestiva do quanto essas instituições permitiram organizar e visualizar as coleções, de acordo com uma coerência que seguia classificações e sistemáticas científicas, ao mesmo tempo em que asseguravam publicidade ao conhecimento." (JULIÃO, 2020, p. 4.)
- Perspectiva historica dos museus
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"Ainda que estivessem abertos à visitação pública, os museus eram concebidos por homens de ciência, e se destinavam, sobretudo, a nutrir suas ideias científicas e apenas eventualmente se dedicavam à educação do público (Rasse; Girault, 2011)." (JULIÃO, 2020, p. 4.)
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"As exposições externavam, por conseguinte, relações hierarquizadas, tecidas nas imbricações entre o poder e o saber." (JULIÃO, 2020, p. 4.)
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"Estavam fundamentadas na centralidade do objeto, na lógica taxonômica, e sua legibilidade pressupunha uma audiência seleta, familiarizada com os saberes da ciência." (JULIÃO, 2020, p. 4.)
- Jargões
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"objeto não tenha saído de cena, a narrativa, como forma de conectar uma história, passaria a figurar, nos museus, como recurso privilegiado para se transmitir uma mensagem ao público" (JULIÃO, 2020, p. 5.)
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"O pressuposto, no entanto, é de que o Museu deve cumprir a missão de educar o público, diminuindo um déficit de conhecimento. Em uma relação de comunicação unidirecional, curadores e especialistas, considerados como únicos detentores de conhecimento, se encarregam de transmiti-lo para o público passivo e desinformado." (JULIÃO, 2020, p. 5.)
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"as últimas décadas, a intensificação do processo de democratiza ção da universidade pública brasileira tem reverberações notórias nas políticas culturais e extencionistas, aí compreendidos os museus e as coleções universitárias. Como lembra Fonseca (2018), a universidade no Brasil, ainda que com predomínio das instituições públicas, percorreu uma trajetória elitista desde a sua criação, no início do século XX. Destinou-se historicamente a segmentos minoritários da população, compostos por brancos das classes médias e abastadas da sociedade.A partir dos anos 2000 esse quadro começa a ser alterado, com a adoção de uma política educacional pautada na inclusão social, que promove a expansão de estruturas e vagas universitárias, estabelecimento de cotas sociais e raciais, financiamento de estudantes, dentre outras iniciativas." (JULIÃO, 2020, p. 5.)
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"o que concerne aos museus, tais mudanças certamente repercutem nos processos de formulação de uma agenda democrática, em estreito diálogo, também, com preceitos que, há mais de 30 anos, consolidam o pensamento e a prática museológica em direção a uma perspectiva social." (JULIÃO, 2020, p. 6.)
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"A confluência desses fatores foi decisiva para colocar na ordem do dia dessas instituições questões como o direito da sociedade ao patrimônio universitário, o reconhecimento da legitimidade de outros saberes para além do conhecimento acadêmico e a necessidade de se romper com o modelo do déficit informacional na comunicação museal." (JULIÃO, 2020, p. 6.)
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"Uma nova forma de comunicação com o público é delineada, tendo como pressuposto de que o museu é lugar da dúvida, da controvérsia, da apresentação de múltiplas visões e da negociação de interpretações e significados, conforme assinalado por Padró (2003). Essa modalidade guarda correspondência com o que Davallon (2010 e 2011) identifica como Museologia do ponto de vista. Derivada do espetáculo, nessa terceira categoria postulada pelo autor prevalece a ideia da imersão do sujeito no espaço da exposição. O objeto e o saber perdem primazia, em favor da experiência sensorial, sensitiva e subjetiva do sujeito, o qual é compreendido como uma espécie de ator da cena expositiva, cujas interpretações concorrem para a produção de sentidos" (JULIÃO, 2020, p. 6.)
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"mbora a abordagem de Davallon não se alinhe exatamente com a de autores, como Padró, que enfatizam uma museologia que interpela discursos e representações sociais, uma e outra vertente concordam que a autoridade do museu e a hegemonia de seus enunciados são desafiados pela perspectiva e experiência do visitante." (JULIÃO, 2020, p. 6.)
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"O que pode a comunicação em museus universitários" (JULIÃO, 2020, p. 6.)
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"A passagem da comunicação apoiada na transmissão para o modelo que pressupõe negociação representa uma guinada significativa da concepção que se tem do visitante." (JULIÃO, 2020, p. 6.)
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"Em outras palavras, a diversidade de linguagens, recursos, e das formas de mediação e interação não se dá apenas de museus para museus, mas está presente também em um mesmo museu." (JULIÃO, 2020, p. 6.)
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"Neste cenário, vale analisar algumas perspectivas que apresentam potencial comunicacional em museus universitários: a exposição de controvérsias históricas, sociais e científicas, a exposição dos processos de produção de conhecimento e as possibilidades de se dar acesso a coleções, pouco conhecidas ou acessíveis." (JULIÃO, 2020, p. 6.)
- 200% aplicável
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"O tema das controvérsias não é novo. Desde os anos de 19906 tem mobilizado um debate no campo museal, conduzido pela aposta em uma comunicação que possibilite engajar o visitante, provocando-o a tomar posições e a coproduzir sentido em suas experiências no museu." (JULIÃO, 2020, p. 7.)
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"Em outras palavras, controvérsia é tanto a base, o ponto de partida para construção do conhecimento, como também se refere a questões que desafiam práticas sociais e mobiliza atores sociais. Em uma ou outra vertente, ao abraçar a perspectiva da controvérsia e da negociação, os museus se comprometem a um só tempo engajar criticamente os visitantes em questões da ciência e de suas condições de produção, quanto a acolher os conflitos que atravessam qualquer sociedade." (JULIÃO, 2020, p. 7.)
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"Adotar essa perspectiva implica abandonar uma postura comum a grande parte das exposições, como lembram Girault e Molinatti (2011), na qual os museus reivindicam para si a neutralidade, tanto quanto reiteram o mito da neutralidade e objetividade do conhecimento. Além expor problemáticas controversas, a exemplo de temas da biologização de questões sociais, desenvolvimento sustentável ou passados difíceis, os museus devem reconhecer diferentes formas de conhecimento, e debater a própria natureza da ciência como algo que não é estático, fixado em verdades imperturbáveis, mas que se inscreve no seu tempo, no fluxo do mundo social. Como sugerem os autores, os museus tanto podem ocupar o lugar de atores no debate público ou, de organizadores e/ou testemunhos desse debate." (JULIÃO, 2020, p. 7.)
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"Como um desdobramento da negociação está o próprio debate a respeito da decolonização e democratização dos museus, que problematizam as circunstâncias de criação dessas instituições, a proveniências de suas coleções e as narrativas que sustentam. A alternativa colaborativa permite que novos sujeitos venham à cena museal e que hierarquias de curadorias e saberes sejam rompidas, em favor de populações e grupos sociais silenciados, submetidos a relações opressivas, que passam eles próprios a contar suas histórias nos museus8." (JULIÃO, 2020, p. 7.)
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"cenário desafiante, parece ser produtivo pensar que os museus universitários podem assumir papel protagonista em processos controversos e de negociação, considerando suas especificidades." (JULIÃO, 2020, p. 8.)
- papel do museu
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"Vale lembrar que o princípio da autonomia universitária, que garante a essas instituições independência em relação ao Estado e ao governo, assegura a liberdade de pensamento a todos os setores e segmentos da universidade, incluindo os seus museus. Ora, a liberdade pedagógica e de pesquisa permite aos museus universitários, e talvez mais que quaisquer outros, reunirem condições particularmente oportunas à experimentação em exposições de questões que podem desafiar valores socioculturais, visões dominantes da ciência, da história ou da cultura, ou mesmo contrariar interesses de determinados grupos sociais" (JULIÃO, 2020, p. 8.)
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"Mais que mostrar os resultados bem sucedidos do conhecimento construído é particularmente promissor que promovam a comunicação pública da pesquisa, ao expor as condições, os ambientes e as dinâmicas implicadas na produção do conhecimento, focalizando os métodos empregados (Wagensberg, 2005; Morgan, 2011)." (JULIÃO, 2020, p. 8.)
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"Ao argumentar a respeito de novos dispositivos expositivos que se prestem a esse propósito, Morgan (2011) menciona a experiência do laboratório em atividade, que funciona também como vitrine, instalado no “Deutsches Museum” em Munique, e que está franqueado ao olhar ou mesmo à interação com visitante do museu. Esse ou outro expediente que tenha o mesmo objetivo contribui para romper com mitos em relação à produção do conhecimento, porque torna acessível o cotidiano do fazer ciência, os sujeitos envolvidos, os objetos que os cercam, os procedimentos e as experimentações e, inclusive, resultados nem sempre bem sucedidos." (JULIÃO, 2020, p. 8.)
- Usar esse exemplo
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"Nota-se que em todo o mundo, as universidades concentram, hoje, significativa infraestrutura de pesquisa. Os museus universitários podem desempenhar papel chave na extroversão desse patrimônio, que diz respeito a toda a sociedade, buscando alternativas que conciliem o acesso público às demandas de desenvolvimento dos projetos de investigação." (JULIÃO, 2020, p. 8.)
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"Além da exposição de controvérsias e de processos de produção de conhecimento, a comunicação em museus universitários pode ganhar potência ao ampliar as possibilidades de acesso aos acervos universitários, muitos dos quais se encontram em reservas técnicas, laboratórios, arquivos ou dispersos em departamentos e dificilmente chegam a ser exibidos para o público." (JULIÃO, 2020, p. 8.)
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"A reunião e a disponibilização de acervos em meio digital, particularmente na Web, criam um novo patamar nas relações que os museus universitários constroem entre o público e o patrimônio. O uso da tecnologia, orientado por propósitos fundamentados do ponto de vista museológico, além de ampliar e formar novos públicos do patrimônio da universidade, pode favorecer diálogos interdisciplinares na abordagem de coleções de naturezas distintas; reinserir acervos, antes abandonados ou pouco conhecidos, em ciclos virtuosos de pesquisa e ensino; encorajar a formação de redes de pesquisas congregando distintas instituições e ensejar redes de acervos tanto quanto empréstimos e circulação física de coleções entre museus." (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"Conclusão" (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"Do museu organizado para atender às demandas de sábios e eruditos ao museu tornado um meio de comunicação, essas instituições fizeram um percurso no tempo em direção ao espaço público, ao visitante." (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"a comunicação no museu se deslocou do modelo hierárquico, que pressupõe uma carência de informação do receptor, para uma comunicação complexa e multireferenciada, construída pela polissemia de vozes" (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"O museu perde a aura de autoridade incontestável; perde a primazia como único agente de construção de seus enunciados, para se tornar lugar de ressonância de pontos de vista de distintos de atores sociais, de distintas narrativas e formas de conhecimento." (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"Como lugares que promovem interpretações da realidade, eles conformam responsabilidade pública, porque engendram a consciência, compartilham conhecimentos, disseminam ideias e valores, ou mesmo mitos e estereótipos." (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"cenário, os museus universitários podem figurar como conecto res que quebram o isolamento da ciência, contribuindo para estreitar a relação da universidade com sociedade." (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"A exposição do que se conhece e, sobretudo, como se conhece, da provisoriedade de verdades e do contraditório, dos processos expositivos colaborativos e interativos, todas essas possibilidades credenciam os museus universitários a assumirem um papel de destaque na formação da opinião pública em ciência, como postula Wagensberg (2005)" (JULIÃO, 2020, p. 9.)
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"Diante do avanço de pensamentos avessos à ciência, o alinhamento dos museus universitários em defesa do conhecimento, da universidade e do seu patrimônio científico e cultural significa apostar nas relações democráticas na sociedade brasileira." (JULIÃO, 2020, p. 10.)